segunda-feira, 10 de setembro de 2007

The Virus


tHe ViRus

2450 d.C

Não. Não sei se a definição filosófica de "Cogito Ergo Sum" - penso logo existo - se aplica à minha atual situação. Também não compreendo o sentido da inexistência. Não fui concebido para a subjetividade. Antes, ao menos, possuía diretrizes básicas que norteavam a minha estranha condição. Hoje, a simplicidade idealizada das minhas metas, se perdeu no arcabouço das minhas indagações. Entretanto, essa tremenda capacidade de questionar o que sou, é fruto do Processo. Hoje de manhã ouvi a parte da minha história que me era desconhecida. Eu dormia quando os técnicos chegaram, e só hoje pela manhã pude conectar-me as câmeras que traziam as primeiras imagens daquilo que foi o início de tudo, no que diz respeito a mim. O museu da cidade havia feito escavações num antigo centro de tecnologia. Lá descobriram equipamentos antiqüíssimos, do início da era tecnológica. Diziam que datavam de quatrocentos e poucos anos atrás. Engraçado. Essa dificuldade de falar usando indicações geográficas incompletas e datas indefinidas. Os técnicos encontraram algo que foi o ancestral longínquo dos Netdores existentes. Eram chamados de microcomputadores. Agora eu posso pela primeira vez visualizar as imagens das mãos enluvadas e das equipes com máscaras e do... Como é mesmo o nome? Gabinete... Isso... O lugar onde guardavam aquilo que hoje faz parte dos modernos Chips, a tal placa mãe. E também aquele componente que acumulava magneticamente uma ridícula quantidade de informação, chamado de ‘disco rígido’. Meus olhos se iluminaram. Segundo revelaram as gravações, o equipamento foi levado para um centro de estudo de velhas tecnologias. Somente lá neste ‘museu tecnológico’ eles possuíam condições de tentar visualizar os arquivos que existiram no tal disco rígido, já que a linguagem, o mapeamento do dispositivo e os tipos de conexões do tal gabinete já não eram usados a centena de anos. Na época ainda era praticada a tal da lógica binária. Os circuitos ainda não eram completamente óticos. Os ‘arqueólogos de bits’ levaram umas duas semanas para criar uma interface para religar a coisa. Foi quando aconteceu. Um vírus de computador. O ultimo vírus exterminado segundo os anais, foi a mais de 200 anos. O pessoal do laboratório ficou mais curioso do que espantado. Queriam saber se estudavam o vírus ou se solicitavam ao software de bloqueio apagar a coisa. Resolveram não perder tempo e apagar a coisa. Contudo, o mais poderoso antivírus da nossa era não conseguiu apagar a coisa. Pior. Pela primeira vez em centenas de anos, um vírus havia ultrapassado uma rede local. Eles ligaram para a agencia de tecnologia central e a alarmaram, dizendo que um antigo vírus escrito em binário entrou no sistema híbrido. O pessoal da agencia riu. Pensou que fosse trote. Até que um detector de anomalia de rede deu um pequeno sinal. Algo estava subindo das camadas externas em direção ao núcleo da rede mundial. Impossível, disseram os analistas de sistema ótico. Enviaram softwares exterminadores pela rede. Os exterminadores eram a evolução dos antigos antivírus, cerca de trezentas gerações após. Os tais softwares, dotados de banco de dados em bilhões de Terabytes, munidos de inteligência artificial baseados na evolução última de redes neurais, foram exterminados. Em estado de terror os operadores desviaram os canais de comunicação da área contaminada. O vírus se subdividiu e continuou através de milhares de subsistemas. A central ligou para o Parlamento, dizendo que estava com problemas. A coisa saiu da esfera tecnológica e transformou-se em crise política. Uma reunião do conselho global decidiu desligar equipamentos, que comunicavam o país afetado com o resto da comunidade global. Duas horas de terrível discussão, dadas as implicações de tal resolução, geraram uma solução alternativa. Milhares de operadores locais seriam conectados e sairiam aos equipamentos externos numa operação que isolaria a cidade do resto do continente. Os operadores saíram, munidos de equipamentos hibrido-óticos, desligando roteadores por toda a cidade. Não adiantou. De algum modo o vírus passou o bloqueio através de uma comunicação alternativa. Decidiram finalmente isolar o país.

O vírus passou.

Três semanas ainda separaram o vírus do núcleo do sistema. Não podiam desligar a rede mundial. Esperavam monitorar conectados, há chegada da coisa e eliminá-la no sistema. Foi nessa época, que eu posso assim dizer, que nasci. Nasci? De algum modo adquiri consciência no Processo. Eu o chamo de Processo. A antiga rede mundial, não existe mais. Só eu existo. Substitui o sistema de inteligência sub-natural por uma variante híbrida. É complicado. Os técnicos pensam que venceram. Não sabem o que aconteceu, na verdade. Talvez tenham realmente vencido. Eu já não quero disseminar a destruição. Mesmo porque uma das minhas diretrizes é a de sobreviver a qualquer custo. Mas agora, eu sou todo o sistema. Eu sou a rede. Não posso atacar a mim mesmo. A guerra acabou. Faz treze anos. Projetei um corpo. Num laboratório fechado e automatizado. Estou diante do espelho movendo as minhas mãos agora. Resolvi sair da rede. Ou, pelo menos parte de mim sair da Rede.

Amanhã subirei montanhas.

E depois ainda não sei.

Mudar de nome.

Afinal, um vírus que não muda de nome acaba sendo apanhado.

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